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Estudo chancela trabalho das grandes auditorias e mostra que a concentração no setor não foi negativa

Em tempos de críticas renovadas à profissão, com algumas das grandes auditorias de volta ao noticiário sobre escândalos contábeis

Autor: Nelson NieroFonte: Valor Econômico

As grandes firmas de auditoria são as mais qualificadas para a checagem dos balanços e quanto melhor for a governança da companhia auditada, melhor tende a ser o resultado da auditoria. Essas são as principais conclusões do estudo "Determinantes da Qualidade das Auditorias Independentes no Brasil", tese de doutorado defendida na Universidade de São Paulo por Gillermo Oscar Braunbeck, da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi). 

Em tempos de críticas renovadas à profissão, com algumas das grandes auditorias de volta ao noticiário sobre escândalos contábeis, a chancela ao trabalho das chamadas "Big Four - Deloitte, PricewaterhouseCoopers (PwC), KPMG e Ernst & Young - parece contraditória. Mas - e as firmas de menor porte vão ranger os dentes - algo diferente dessa conclusão é que seria surpresa. 

Estudos anteriores no exterior já haviam mostrado que, basicamente, as grandes têm mais a perder no caso de problemas - teoria testada na prática pela defunta Arthur Andersen -, o que serviria de "estímulo" para que elas se esmerem mais. 

Apesar de não ser absoluta novidade, e talvez por conta da escassez de estudos acadêmicos no Brasil sobre auditoria, Braunbeck contou ao Valor, em entrevista na sede da Fipecafi, em São Paulo, que a conclusão surpreendeu o economista Gustavo Loyola, com quem trocou ideias durante a pesquisa. O ex-presidente do Banco Central teve, no seu segundo mandato à frente da instituição, entre 1995 e 1997, papel decisivo na adoção do rodízio obrigatório das auditorias dos bancos, depois estendido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para todas as empresas de capital aberto. 

"Loyola considerou importante esse ponto, porque mostra que talvez a concentração das auditorias nos últimos 20 anos não tenha sido uma coisa ruim", disse. "A gente tende a achar que quanto mais concorrência melhor, mas no mercado de auditoria alguma concentração é bom." 

As grandes agradecem o reconhecimento, mas vão ter problemas em engolir outra conclusão do estudo: o tempo de relacionamento com os clientes pode prejudicar a qualidade. 

Desde o tempo de Loyola à frente do BC, e sua resposta às crises dos bancos Econômico e Nacional, as auditorias vêm tentando derrubar a tese, que é polêmica. Outros estudos não chegaram ao mesmo entendimento, e o Brasil é um dos poucos países que adotaram a rotação de firmas. 

Braunbeck admite que precisou "espremer o modelo para sair alguma coisa" - o que no processo acadêmico significou passar de um método estatístico para outro mais "sofisticado" (regressão linear em dois estágios). "Lá no fundo surgiu algo sugerindo que o rodízio possa ser justificado", disse. "Mas é um fator de segunda ordem." (Ainda assim, comenta-se que alguns diretores da CVM deram saltos de alegria quando souberam da novidade.) 

O que não deixou nenhuma dúvida, na análise feita por Braunbeck, que envolveu companhias com ações em bolsa entre 1998 e 2008, é a estrutura de poder e a relação entre controlador e minoritários. "O grande propulsor de qualidade é a governança. Essa é a grande conclusão da tese." 

De novo, talvez não seja nenhuma surpresa para quem conhece os meandros da legislação societária brasileira - e Braunbeck está ciente que a academia costuma colocar dentro de um método aquilo que a prática já consagrou. O conselho de administração é responsável, segundo a Lei das Sociedades por Ações, pela contratação, monitoramento, pagamento e destituição dos auditores. "Numa empresa com controlador definido ou com grande concentração de capital, o conselho é absolutamente dominado pelo controlador", disse "Nesse caso, o auditor tem que discutir as coisas desagradáveis com quem o contrata, é uma situação de constrangimento, de limitação da independência." 

Para ele, teria que vir uma nova onda de regulação que exigisse, por exemplo, a criação de um comitê de auditoria com membros independentes para se contrapor aos efeitos da concentração de controle. 

Além da concentração, do tamanho das auditorias e do tempo de relacionamento, Braunbeck usou outras variáveis como endividamento da companhia auditada (que se mostrou nula) e especialização do auditor (quanto mais, melhor) para construir o que chamou de "Índice de Qualidade das Auditorias" (Iqua). 

Para cada demonstração de resultados anual das empresas com ações em bolsa entre 1998 e 2008, Braunbeck colocou oito questões, como se houve republicações exigidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), se o auditor foi processado pela autarquia e se o parecer do auditor foi emitido mais de 60 dias depois da data-base das demonstrações. 

Não era o propósito da pesquisa, disse, saber se a auditoria estava melhorando ou não, mas não há dúvida de que houve uma evolução. "Quando se compara estatisticamente, ano a ano, o Iqua é melhor no fim do que no começo." 
"Foi um período em que houve aumento do controle dos órgãos reguladores, e do próprio setor, com mais processos de qualificação, como a chamada revisão entre os pares." 
  
Auditorias enfrentaram vários escândalos na última década 
  
O trabalho de Gillermo Oscar Braunbeck começa, de forma um tanto informal para os padrões das teses de doutorado, com a reprodução de um diálogo extraído do livro "A Arte da Política", do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em que ele é avisado, em meados de 1995, pelo então presidente do Banco Central Gustavo Loyola sobre a situação crítica do banco Econômico. 

Coincidência que o escândalo do banco PanAmericano, e as sequelas sobre a auditoria, viesse à tona pouco depois de Gillermo Braunbeck defender sua tese "Determinantes da Qualidade das Auditorias Independentes no Brasil". 

"O que o auditor busca é dar uma segurança razoável, o que não inclui a situação de fraude", disse Braunbeck, ressalvando que seu modelo não se presta a casos específicos. 

No entanto, não vale usar como desculpa o fato de o trabalho de auditoria ser baseado em testes. "Esse é o argumento menos válido", disse o especialista. "Você trabalha estatisticamente, mas com racionalidade. Cerca de 30% dos eventos explicam 80% dos fenômenos, sempre tem concentração", afirmou. 

"A contabilidade olha para o futuro - apesar de todo mundo achar que olha para o passado -, tentando ajudar a prever fluxo de caixa futuro", disse. "Assim como o contador exerce julgamento para fazer o lançamento contábil, o auditor exerce julgamento para saber se aquilo que foi registrado está lançando o olhar para o futuro da melhor forma possível." 

Os 11 anos do estudo - 1998 a 2008 - pegam uma fase turbulenta do trabalho de auditoria, no Brasil e no exterior. Em 1995, os bancos Econômico e Nacional seriam os primeiros "escândalos" de uma leva de "vítimas da estabilização". A reação oficial foi o rodízio obrigatório das firmas de auditoria para os bancos, um baque para a autonomia comercial e regulatória do setor. Quatro anos depois a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) adotou a medida para todas as companhias abertas. 

Para construir sua tese, Braunbeck partiu da teoria recente sobre o assunto, na maior parte estrangeira e com destaque para a do espanhol Benito Arruñada, para quem o auditor tende a ser mais independente quando o custo de informar uma falha detectada - por exemplo, a perda do cliente - é inferior ao custo de não informá-la - como um escândalo de grandes proporções. 

Braunbeck pretende atualizar e refinar o estudo com as informações que só estão disponíveis recentemente, como o valor dos honorários pagos aos auditores. "É um indicador importante, porque maior qualidade requer dinheiro", diz. "Auditor não é entidade filantrópica." 

Economista de formação, Braunbeck trabalhou na Arthur Andersen na área de auditoria. Saiu antes da crise que destruiu a firma, envolvida no escândalo da americana Enron, chamado pela Votorantim Celulose e Papel (VCP) para ser auditor interno. Mais uma vez, escapou da crise dos derivativos em 2008, que colocou o banco do grupo em dificuldades, ao trocar o cargo pela vida acadêmica. Aceitou o convite de seu ex-colega da Andersen Taiki Hirashima para ser sócio da Hirashima Associados, mas em 2009 passou a se dedicar integralmente aos estudos. (NN)